Sam Kean, em “De onde vêm os elementos?”

DE ONDE VÊM OS ELEMENTOS?

Sam Kean

A visão comum que dominou a ciência durante séculos era de que não vinham de parte alguma. Havia um bocado de pelejas metafísicas sobre quem (ou Quem) poderia ter criado o cosmos e por quê, mas o consenso era de que o tempo de vida de todos os elementos coincidia com a vida do universo. Eles não são criados nem destruídos: os elementos simplesmente são. Teorias posteriores, como a teoria do Big Bang, nos anos 1930, incorporaram essa visão em sua tessitura. Já que a cabeça de alfinete que existia lá atrás, há 14 bilhões de anos, continha toda a matéria do universo, tudo à nossa volta deveria ter sido ejetado daquela partícula. Não ainda na forma de tiaras de diamantes, latas de estanho e folhas de alumínio, mas era o mesmo material básico. (Um cientista calculou que o Big Bang levou dez minutos para criar toda a matéria conhecida, depois gracejou: “Os elementos foram cozidos em menos tempo que se leva para fazer um pato com batatas coradas.”) Mais uma vez, é o senso comum – uma tabela astro-histórica estável dos elementos.

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Em meados dos anos 1950, um punhado de astrônomos perspicazes percebeu que as próprias estrelas são vulcões celestiais. Embora não estivessem sozinhos, Geoffrey Burbidge, Margaret Burbidge, William Fowler e Fred Hoyle fizeram o máximo para explicar a teoria da nucleossíntese estelar num famoso estudo de 1957 conhecido simplesmente, para os peritos, como B2FH. De uma forma não muito comum em trabalhos acadêmicos, o B2FH abre com duas portentosas e contraditórias citações de Shakespeare sobre se as estrelas governam ou não o destino da humanidade. E segue argumentando que sim. Primeiro sugere que o universo já foi uma pasta fluida de hidrogênio com uma pitada de hélio e lítio. Com o tempo, o hidrogênio se encaroçou para formar estrelas, e a extrema pressão gravitacional dentro das estrelas começou a fundir o hidrogênio em hélio, um processo que alimenta todas as estrelas do céu. Porém, por mais importante que seja do ponto de vista cosmológico, o processo é cientificamente chato, pois só o que as estrelas fazem é produzir hélio durante bilhões de anos. Só quando o hidrogênio se esgota, sugere o B2FH – e aqui está sua verdadeira contribuição –, as coisas começam a acontecer. Estrelas que ruminam hidrogênio durante éons se transformam de uma forma mais radical do que qualquer alquimista se atreveria a sonhar.

Desesperadas para manter suas altas temperaturas, as estrelas com falta de hidrogênio começam a queimar e a fundir hélio em seus núcleos. Às vezes átomos de hélio se juntam para formar elementos de números pares, e às vezes prótons e nêutrons se desgarram para formar elementos de números ímpares. Em pouco tempo, quantidades consideráveis de lítio, boro, berílio e em especial de carbono se acumulam no interior das estrelas (e só no interior – a camada mais externa continua formada principalmente por hidrogênio durante todo o ciclo de vida da estrela). Infelizmente, a queima do hélio produz menos energia que a queima do hidrogênio, por isso as estrelas esgotam seu hélio em alguns milhões de anos, no máximo. Algumas pequenas estrelas chegam a “morrer” nesse estágio, criando massas de carbono derretido conhecidas como anãs brancas. Estrelas mais pesadas (oito ou mais vezes maiores que o Sol) continuam lutando, comprimindo o carbono para formar mais seis elementos, até o magnésio, o que lhes dá mais algumas centenas de anos. Nesse ponto mais algumas estrelas perecem, mas as maiores e mais quentes (cujos interiores chegam a 5 bilhões de graus) queimam esses elementos também, por mais alguns milhões de anos. O B2FH rastreia essas diversas reações de fusão e explica a receita para produzir tudo até o ferro: não é nada menos do que a evolução aplicada aos elementos. Em decorrência do B2FH, hoje os astrônomos podem considerar, sem discriminação, todos os elementos entre o lítio e o ferro como “metais” estelares, e quando encontram ferro em uma estrela não precisam se preocupar em procurar nada menor – sempre que o ferro é identificado, é seguro supor que o resto da tabela periódica até esse ponto estará representado.

O senso comum sugere que os átomos de ferro logo se fundam nas estrelas maiores, e que os átomos resultantes também se fundam, formando assim todos os elementos até a base da tabela periódica. Porém, mais uma vez o senso comum não se aplica. Quando se faz as contas e se examina quanta energia é produzida pela fusão atômica, fica claro que fundir qualquer coisa até os 26 prótons do ferro custa energia. Isso quer dizer que a fusão pós-ferrosa4 não faz nada bem a uma estrela faminta de energia. O ferro é o último repicar dos sinos na vida natural de uma estrela.

Então, de onde vêm os elementos mais pesados, de 27 até 92, do cobalto até o urânio? Ironicamente, diz o B2FH, eles já emergem prontos de pequenos big bangs. Depois de queimar prodigamente até forjar elementos como o magnésio e o silício, estrelas realmente muito grandes (12 vezes o tamanho do Sol) se reduzem a um núcleo de ferro em cerca de um dia terrestre. Mas, antes de perecerem, soltam seu último suspiro apocalíptico. De repente, não tendo mais energia para, como um gás quente, manter seu volume total, essas estrelas exaustas implodem sob sua própria imensa gravidade, desabando milhares de quilômetros em segundos. Em seus núcleos, chegam a esmagar e a fundir prótons e elétrons em nêutrons, até restar quase nada além de nêutrons. Em seguida, numa reação a esse colapso, elas explodem. E quando digo explodem, estou dizendo explodem. Por um glorioso mês, uma supernova se estende milhões de quilômetros e brilha com mais intensidade que um bilhão de estrelas. E durante uma supernova, são tantos zilhões de partículas com tanto momento colidindo tantas vezes por segundo que elas ultrapassam suas barreiras naturais de energia e se fundem em ferro. Muitos núcleos de ferro acabam revestidos de nêutrons, alguns dos quais decaem em prótons, criando assim novos elementos. Todas as combinações naturais de elementos e isótopos são expelidas nessa nevasca de partículas.

Centenas de milhões de supernovas já passaram por esse ciclo de reencarnação e morte cataclísmica só na nossa galáxia. Uma dessas explosões precipitou o nosso sistema solar. Cerca de 4,6 bilhões de anos atrás, uma supernova enviou seu estrondo sônico através de uma nuvem achatada de poeira espacial de aproximadamente 22 bilhões de quilômetros de largura, remanescente de pelo menos duas estrelas anteriores. As partículas de poeira misturaram-se com a espuma da supernova, e toda aquela agitação começou a redemoinhar em poças e marés, como a superfície de uma imensa piscina sendo bombardeada. O centro mais denso da nuvem entrou em ebulição para formar o Sol (tornando-o um remanescente canibalizado das estrelas anteriores), e corpos planetários começaram a se agregar e se solidificar. Os planetas mais impressionantes, os gigantes gasosos, se formaram quando um vento estelar – um jato de matéria ejetado pelo Sol – soprou elementos mais leves para mais longe. Entre esses gigantes, o mais gasoso é Júpiter, que por várias razões é uma ilha da fantasia para os elementos, pois lá eles podem viver em formas nunca imaginadas na Terra.

Retirado do LIvro “A Colher que Desaparece”, de Sam Kean.

1 comentário

  1. O maior presente do UNIVERSO para a humanidade é a CAPACIDADE DE RACIOCINAR. O RACIOCÍNIO, um mecanismo da inteligência, gerou a convicção nos humanos de que a RAZÃO unida à IMAGINAÇÃO constituem os instrumentos fundamentais para a compreensão do UNIVERSO.
    É fato que existem dilemas e questões que não têm solução (ou que têm várias soluções possíveis); a questão “DE ONDE VÊM OS ELEMENTOS?” talvez seja um deles.

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