Erwin Schrödinger, em “Por que o pensamento seria incompatível com o fato de o cérebro ter um mecanismo suficientemente refinado e sensível para responder e registrar o impacto externo de um átomo isolado?”

Retirado do livro: O que é vida?: o aspecto físico da célula viva

Erwin Schrödinger

Por que o pensamento seria incompatível com o fato de o cérebro – no todo ou em algumas partes periféricas ligadas ao meio circundante – ter um mecanismo suficientemente refinado e sensível para responder e registrar o impacto externo de um átomo isolado?

A razão é que aquilo a que chamamos pensamento (1) é em si algo ordenado, e (2) só pode ser aplicado a materiais, isto é, percepções ou experiências, que possuam um certo grau de ordem. Isso tem duas consequências. Primeira: uma organização física que esteja em correspondência estreita com o pensamento (como meu cérebro está com meu pensamento) deve ser uma organização bem ordenada, o que significa que os eventos que ocorrem dentro dela devem obedecer a leis físicas estritas, com pelo menos alto grau de precisão. Segunda: as impressões físicas estampadas por corpos externos sobre esse sistema físico bem organizado obviamente se correlacionam com a percepção e experiência do pensamento correspondente, formando seu material, como denominei anteriormente. Portanto, as interações físicas entre nosso sistema e outros devem, como regra, possuir elas próprias um certo grau de ordenamento físico, o que equivale dizer, devem obedecer a leis físicas estritas com um certo grau de precisão.

Leis físicas se apoiam em estatística atômica e, portanto, são apenas aproximadas

E por que todos esses requisitos não poderiam ser preenchidos no caso de um organismo composto apenas por um número moderado de átomos e sensível ao impacto de um ou de poucos átomos?

Porque sabemos que todos os átomos fazem, o tempo todo, um movimento térmico completamente desordenado que, por assim dizer, se opõe a seu comportamento ordenado, o que impede que eventos que aconteçam entre um pequeno número de átomos se submetam a quaisquer leis reconhecíveis. Apenas na cooperação entre um número enormemente grande de átomos podem as leis estatísticas começar a operar e controlar o comportamento desses assemblèes (assembleia), com uma precisão que aumenta conforme aumenta o número de átomos envolvidos. É nesse sentido que os eventos adquirem características verdadeiramente ordenadas. Todas as leis físicas e químicas que se sabe desempenharem um papel importante na vida dos organismos têm esse caráter estatístico. Todo outro tipo de lei e ordem que se possa imaginar seria perpetuamente perturbado e tomado inoperante pelo incessante movimento térmico dos átomos.

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